Finanças Sustentáveis, por Gustavo Pimentel

Este blog contém reflexões de um observador e ativista das Finanças Sustentáveis, além de organizar e arquivar todos os artigos/notícias de minha autoria ou que citem meu nome, publicados em jornais, revistas e websites sobre o tema.

Friday, August 11, 2006

Rating, Governança e Sustentabilidade

Publicação:
- Jornal Gazeta Mercantil (11/08/2006, pág. B-3)
- Portal www.acionista.com.br (08/05/2006)
- Site
www.srjournal.com.br (09/05/2006)
Em 1982, a Manville Corporation, empresa americana da área de materiais de construção, pede concordata na Corte de Falências de Nova Iorque. O que poderia parecer muito comum para um mercado desenvolvido como o americano, onde a falência é um risco associado ao capitalismo, se tornaria um caso emblemático, já que a empresa tinha um rating A, considerado investment grade, atribuído pela agência Moody´s, que foi subitamente rebaixado para um D (Default). O desastre financeiro ocorreu em consequência da ação de responsabilidade civil por danos sócio-ambientais causados pela fabricação e venda de produtos a base de amianto.

Mais tarde, em 2001, ocorreu o famoso caso de falência da Enron. Embora tivesse uma razoável governança corporativa no papel, a ausência de verificação e classificação de tal estrutura contribuiu para a utilização da contabilidade “criativa” e procedimentos financeiros heterodoxos que acabaram quebrando a empresa e causando prejuízo a milhares de investidores, a despeito da nota de risco investment grade dada pelas principais agências.

Estes dois casos literalmente sacudiram os mercados de capitais e, mais especificamente, a atividade de classificação de riscos das chamadas agências de rating. Contratadas para emitirem uma opinião independente sobre o risco de default (não pagamento) de determinadas empresas, governos ou operações de financiamento, as agências trabalham com uma metodologia prospectiva, procurando antecipar riscos, em um horizonte geralmente de 3 a 5 anos. Como é que não conseguiram prever tais riscos e incorporá-los às notas?

Os riscos sócio-ambientais e de governança são mais intangíveis que riscos financeiros e, portanto, difíceis de serem medidos. São profundamente afetados pelo ambiente no qual a empresa opera, onde podemos destacar fatores como: estrutura legal, regulatória e normativa; níveis de aplicação das leis, fiscalização e corrupção; engajamento da imprensa e opinião pública; atuação das ONGs e demais ativistas das causas sócio-ambientais e da governança; setor de atuação da empresa; dentre outros.

Uma abordagem geral para a classificação de riscos consiste no cotejo de três aspectos da empresa classificanda: sua capacidade de geração de caixa operacional; a qualidade de seus ativos e outras fontes de liquidez e; o comprometimento de seu fluxo de caixa e ativos. São utilizados dados do passado e tenta-se projetar o futuro. Tal exercício perpassa pela análise da estratégia da empresa, sua capacidade de execução desta estratégia, o ambiente competitivo e regulatório, e também sua governança corporativa e desempenho sócio-ambiental, dentre outros, tudo inserido em cenários macroeconômicos e setoriais mais prováveis. Um exercício crucial, no entanto, é testar tal estrutura em cenários de estresse.

Uma das maiores dificuldades da classificação de riscos, principalmente no Brasil, é a sofrível carência de informações. As empresas brasileiras ainda são pouco transparentes, tanto por receio de que informações estratégicas sejam espalhadas ao mercado, mas também em função da ausência de sistemas de gestão que possibilitem monitorar indicadores de desempenho importantes, com destaque aqui para os sócio-ambientais. A abordagem da classificação de riscos nestes casos deve ser a de “no news, bad news”, ou seja, toda informação inexistente deve ser encarada como fator negativo.

Contribui para essa falta de transparência a cobertura factual e pouco crítica da imprensa brasileira, no que tange a aspectos de responsabilidade sócio-ambiental das empresas. Tal argumento é conclusão de pesquisa do Instituto Ethos, que analisou a cobertura jornalística nacional sobre o tema responsabilidade social empresarial, trabalho apresentado durante sua última conferência nacional em junho.

A tendência é a atribuição de maior peso às questões sócio-ambientais e de governança nos ratings. Como as agências são fortemente dependentes de sua reputação, quem não se adequar corre o risco de ficar para trás e não aproveitar a onda de crescimento do mercado de capitais brasileiro.

Como o mercado pode precificar a sustentabilidade?

Publicação:
- Portal
http://www.acionista.com.br/ (07/07/2006)
- Site
http://www.srjournal.com.br/ (08/07/2006)

A maioria dos investidores e analistas do mercado de capitais podem ser divididos em duas categorias: os observadores de mercado (market timers) e os selecionadores de títulos (stock pickers). Os primeiros utilizam um método chamado Análise Técnica, enquanto os últimos fazem uso da Análise Fundamentalista. Apesar de fazerem parte da mesma escola de finanças, pois acreditam que é possível ter rendimentos acima da média do mercado, as duas categorias têm enormes divergências, normalmente desprezando o trabalho um dos outros. Entretanto, com o crescimento da gestão profissional de recursos, onde investidores profissionais gerem os portifólios de terceiros, é cada vez mais comum a utilização das duas técnicas concomitantemente.

Os analistas técnicos utilizam gráficos com as séries históricas de preços para tentar prever a direção do mercado e, por isso, são chamados também Analistas Gráficos. São três as premissas básicas que sustentam sua teoria:

a) o preço corrente do ativo já reflete todos os fatos que podem influenciá-lo, logo o comportamento deste preço ao longo do tempo é a única variável que importa;
b) é possível identificar tendências no comportamento dos preços em seus primeiros estágios, e assim lucrar enquanto a tendência de fato se consuma;
c) se os padrões dos gráficos funcionaram bem no passado, eles devem se repetir no futuro.

Já os analistas fundamentalistas acreditam que existam fatos que influenciam os preços que ainda não estejam refletidos nos preços correntes. Por este motivo, eles investigam os dados contábeis, operacionais e planos de investimento das empresas para projetar o valor presente dos fluxos de caixa futuro das mesmas. Para o guru dos investimentos Damodaran, o ‘valor real de uma empresa pode ser relacionado às suas características financeiras – suas perspectivas de crescimento, perfil de risco e fluxo de caixa’ e ‘qualquer desvio deste valor verdadeiro é sinal de que as ações estão sub ou supervalorizadas’. São também três as premissas básicas desta teoria:

a) o relacionamento entre fatores financeiros da empresa e seu valor pode ser medido;
b) este relacionamento é estável ao longo do tempo;
c) qualquer desvio no relacionamento leva um tempo razoável para ser corrigido.

A análise fundamentalista utiliza um ferramental analítico para avaliar os fundamentos das empresas, ou seja, seu desempenho operacional, financeiro, grau de endividamento, estrutura de governança, posicionamento estratégico, gestão de riscos, perspectivas para o setor, dentre outros. Os indicadores supracitados, comparados ao preço de mercado do papel e colocados dentro de possíveis cenários macroeconômicos determinam se a ação é um bom investimento ou não.

E os aspectos de sustentabilidade, que englobam o desempenho sócio-ambiental e governança corporativa da empresa, como ficam?

É relativamente fácil verificar que a sustentabilidade não é compatível com a análise técnica, já que esta não considera nada além da série de preços de cada ativo. Por outro lado, é totalmente compatível com a análise fundamentalista, visto que esta leva em consideração os fundamentos da empresa, a governança e a gestão de riscos, inclusive sócio-ambientais.

Mas como medir estes intangíveis?

Um recente estudo canadense, patrocinado pela National Roundtable on the Environment and the Economy, intitulado The sdEffect™: Translating Sustainable Development into Financial Valuation Measures – A Pilot Analytical Framework faz uma primeira tentativa. O estudo propõe que aspectos de sustentabilidade, como por exemplo a redução do consumo de energia e emissão de gases de efeito estufa, bom relacionamento com a comunidade ou promoção da diversidade no ambiente de trabalho, podem ter seus efeitos traduzidos em valores financeiros que são incorporados ao preço das ações. O estudo utiliza dados empíricos de empresas canadenses do setor de mineração, e calcula o valor de cada aspecto de sustentabilidade em contextos específicos utilizando ferramentas clássicas da análise fundamentalista, tais como o fluxo de caixa descontado (DCF – Discounted Cash Flow), análise de múltiplos e Valor Econômico Adicionado (EVA™ - Economic Value Added), dentre outros. As conclusões preliminares sobre a eficácia do método são promissoras, e o estudo sugere sua aplicação para mais setores e empresas de forma a gerar uma maior massa de dados que possam ser testados empiricamente.

O estudo argumenta que o mercado é inábil com a linguagem sócio-ambiental da sustentabilidade, mas perito em assimilar informação quando expressa em termos de crescimento de receita, redução de custos, exigência reduzidas de investimento ou diminuição de risco. Dois exemplos retirados do estudo:

Placer Dome e seu bom relacionamento com a comunidade
A Placer Dome pretende investir em um novo projeto de extração de minério chamado Cerro Cesale. Estima-se que o seu bom relacionamento com a comunidade local possa apressar o início da implantação do projeto em 1 ano, o que aumenta o valor presente líquido do projeto e consequentemente o preço alvo da ação em 5,5%.

Falconbridge e seu programa de eco-eficiência
Os programas de eco-eficiência da Falconbridge tem o potencial estimado de reduzir seu consumo de energia e emissão de gases do efeito estufa. Isto reduz seus custos e aumenta o preço alvo da ação em proporções similares ao uma evetual elevação dos preços internacionais do cobre em 5 centavos de dólar.

Como pôde ser visto, o que o mercado precisa é aprender a traduzir as questões sócio-ambientais para o valuation, o que demanda criatividade e coragem por parte dos investidores e analistas.

Crises de Sustentabilidade e Valor das Ações

Casos Shell e ABN AMRO Bank

Publicação:
- Portal www.acionista.com.br (29/05/2006)
- Site www.srjournal.com.br (30/05/2006)
No último artigo foi abordado o tema da precificação da sustentabilidade. Embora tenhamos fortes indícios de que a sustentabilidade afete a performance e valor de mercado das companhias, como medir este impacto ainda continua como um questão a ser desvendada. Neste artigo, chamamos a atenção para a questão dos riscos sócio-ambientais que as empresas incorrem em seus projetos de expansão, no impacto que estes riscos podem ter na reputação corporativa e, consequentemente, na execução satisfatória destes projetos. Nossos personagens são reais: a gigante anglo-holandesa do petróleo Shell e o ABN AMRO, maior banco holandês e uma das 20 maiores instituições financeiras do mundo. A história é atualíssima: o controverso envolvimento dos personagens no projeto Sakhalin II. Para começar, faz-se necessário entender o embróglio.

A ilha de Sakhalin, situada no mar de Okhotsk, no extremo leste da Rússia, vem chamando atenção no noticiário internacional por conta de um ambicioso projeto de exploração e produção de petróleo e gás natural desenvolvido pela Shell. O projeto, orçado em US$ 20 bilhões e batizado de “Sakhalin II” , visa a construção de três novas plataformas de produção de petróleo e gás, além de um oleoduto e de um gasoduto de aproximadamente 800 km cada. Os hidrocarbonetos extraídos do local seriam exportados, via dutos, para o abastecimento de Japão, Coréia, China e EUA. Para atingir a costa oeste norte-americana, o gás seria transportado em sua forma líquida e regaseificado em plataformas a serem construídas no litoral mexicano.

A polêmica iniciativa vem sendo acusada por ambientalistas de pôr em alto risco de extinção as baleais cinzentas, espécie que hoje conta somente com cerca de 100 animais em todo o planeta. Especialistas em meio-ambiente de diversas ONGs internacionais, tais como Greenpeace, Friends of the Earth, Banktrack, Dirty Money, Rainforest Action Network, Pacific Environment, Sakhalin Environment Watch, entre outras, alertam que o barulho causado pelas obras, assim como o entulho por elas produzido, seriam letais às baleias cinzentas que migram anualmente para a região em busca de comida. Além disso, os dutos seriam construídos em áreas consideradas ambientalmente sensíveis, por cruzarem o habitat natural de centenas de cardumes de salmão, prejudicando as populações locais que vivem da pesca, além de cerca de 24 áreas com intensa atividade sísmica, o que exponenciaria os riscos de vazamento.

A iniciativa da Shell coloca em risco também a reputação de instituições tais como o gigante bancário holandês ABN AMRO, até então visto como um líder no desenvolvimento e implementação de uma série de diretrizes sócio-ambientais conhecidas como Princípios do Equador. A cartilha de sugestões foi desenvolvida pela International Finance Corporation (IFC), ligada ao Banco Mundial, para serem aplicadas pelas instituições financeiras que financiem operações de project finance em valores acima de US$ 50 milhões. O ABN AMRO foi alvo, recentemente, de anúncios de página inteira em jornais influentes como o Washington Post e o Finacial Times, pressionando para que a instituição assuma seu papel de líder nos diversos índices de sustentabilidade global e retire sua oferta de financiamento do projeto Sakhalin II. Segundo Ilyse Hogue, diretor da Rainforest Action Network's Global Finance Campaign, os Princípios do Equador foram desenvolvidos justamente para impedir a viabilização de projetos tais como o da Shell. Já David Gordon, diretor-executivo da Pacific Environment, foi ainda mais incisivo ao afirmar que “financiar a realização do projeto Sakhalin II é o mesmo que financiar a extinção das baleias e destruição das comunidades de salmão”.

Diversas entidades financeiras signatárias dos Princípios do Equador não concordaram em financiar partes do projeto por temer ter seus nomes ligados à idéia de destruição ambiental, o que mostra que a sustentabilidade vem sendo incorporada de forma cada vez mais incisiva no processo de análise de riscos. A Shell, em uma tentativa de reduzir o impacto negativo em torno do projeto, chegou a anunciar uma modificação no traçado original dos dutos, transferindo-os para quilômetros de distância do habitat das baleias ameaçadas. Contudo, a medida é tida como ineficaz, já que não prevê a transferência do local de instalação das plataformas. A WWF, outra ONG ambiental, fez um estudo que insinua que a Shell seria incapaz de lidar com um vazamento que eventualmente possa ocorrer durante o longo e severo inverno siberiano.

A surpreendente insistência da Shell na manutenção do projeto Sakhalin II está associada ao fato de a empresa já ter gasto muitos recursos na implementação inicial das obras, por ser a principal acionista da Sakhalin Energy Investment Company, uma subsidiária com sede nas Bahamas. O fracasso da iniciativa significaria um dano bastante significativo aos cofres da companhia. Se utilizarmos a técnica do Fluxo de Caixa Descontado, é fácil perceber que cada mês de atraso no projeto diminui a percepção do valor presente da companhia. Ademais, investidores socialmente responsáveis, aqueles que levam em consideração aspectos sócio-ambientais nas suas decisões de portfólio, podem decidir por desfazer suas posições na empresa, jogando para baixo o preço das ações. Estes investidores – pessoas físicas, fundos de pensão, fundações e fundos mútuos, já somam mais de EUR 300 bilhões em ativos na Europa e mais de U$ 2 trilhões nos EUA, portanto seu impacto não é nada desprezível. Coincidência ou não, o papel da Shell vem perdendo para seus principais índices de benchmark no último mês, quando a crise atingiu seu ápice.

Situação semelhante vive o ABN AMRO. Apesar de seu impacto no projeto ser indireto, um dos principais ativos de um banco é sua reputação, e o ABN AMRO já está com sua imagem arranhada, a despeito de ser um líder em sustentabilidade no setor financeiro. Recuperar esta credibilidade levará tempo, tanto para o banco quanto para a Shell. E mais: a atenção da sociedade civil, investidores e ambientalistas estará cada vez mais voltada para as duas organizações no futuro, o que pode fazer com que todo projeto da Shell seja contestado, e consequentemente atrasado, enquanto o ABN AMRO pode ser obrigado a declinar de negócios rentáveis para não entrar em mais controvérsias.

No próximo artigo, trataremos mais a fundo das ferramentas para medir o impacto da sustentabilidade na performance e valor de mercado das empresas e mostraremos que as mesmas podem ser muito bem adaptadas para o Brasil.

Quanto vale a sustentabilidade?

Brasil ainda carece de embasamento científico para medir o retorno de intangíveis
Publicação:
- Revista Capital Aberto (Abril de 2006)
- Portal www.acionista.com.br (14/04/2006)


Os fiascos financeiros, como Enron e WorldCom, e crises de imagem geradas por problemas socioambientais, como as da Shell, lesaram milhares de investidores no Brasil e no mundo. As empresas estão sendo mais cobradas em relação a sua governança corporativa, transparência e sustentabilidade (aqui entendida como o equilíbrio entre seu desempenho econômico, social e ambiental), o que levanta uma relevante questão metodológica para a comunidade de investidores e analistas: como quantificar a importância destes aspectos intangíveis e embuti-los nas análises de preço de ações e de risco de crédito das empresas?

Como o fenômeno é recente, estudos empíricos ainda estão longe de oferecer uma conclusão definitiva. Mas tanto a comunidade acadêmica quanto a de praticantes tem se esforçado para oferecer alternativas. No Brasil, este movimento se fortalece agora, após o grande marco que foi o lançamento do ISE – Índice de Sustentabilidade Empresarial da Bovespa. No entanto, o Brasil ainda carece de estudos empíricos em seu próprio mercado. Está claro que não tem a mesma eficácia importar estudos realizados na Europa e Estados Unidos, mercados muito mais maduros que o brasileiro, onde consumidores, investidores e o Estado são mais exigentes com relação à governança, transparência e sustentabilidade das companhias.

Até agora, o estudo brasileiro mais interessante é o de Moacyr Farah, do fundo de pensão Petros, apresentado em outubro de 2005 no Congresso Brasileiro dos Fundos de Pensão, em Porto Alegre. Farah faz um ranking das empresas listadas no índice IBX-50, utilizando como critério sua performance social apurada nos respectivos balanços sociais, publicados de acordo com os padrões do Ibase – Instituto Brasileiro de Análise Sociais e Econômicas, uma referência no campo. Ele compõe então 5 novas carteiras, atribuindo participações maiores para empresas em quartis superiores de desempenho social. Todas tiveram desempenho positivo, atingindo entre 112% e 124% do IBX-50 em 2004 e entre 118% e 135% em 2005 (até 12 de agosto).

Embora este resultado seja animador, e a princípio corrobore a tese de que sustentabilidade é lucrativa no Brasil, ainda não é suficiente para indicar qual o valor adicionado das melhores práticas nesta área. Precisamos de mais pesquisas, com utilização de critérios de sustentabilidade que abordem três níveis: políticas, performance e prestação de contas (PPP). Estes três níveis se reforçam mutuamente: políticas adequadas e bem implementadas reduzem o risco de sustentabilidade e melhoram a performance. A boa prestação de contas aos investidores aumenta sua confiança na gestão da empresa, o que permite o fortalecimento das políticas e investimentos que aumentam a performance – um círculo virtuoso.

Contudo, é necessário resolver uma questão ainda crucial: a falta de transparência e informação com relação aos aspectos de sustentabilidade das empresas. Assim, a governança corporativa adquire papel preponderante, pois permite que os acionistas tenham acesso a essas informações cruciais para traçar o perfil de risco e oportunidade de cada empresa, e possibilita estudos científicos a partir de dados públicos. E para quem ainda duvida que a transparência dá retorno, vale mencionar que, no estudo de Farah, citado acima, foi criada uma sexta carteira hipotética, com empresas que não publicaram o Balanço Social ou que não o fizeram segundo o modelo do Ibase. Esta carteira atingiu apenas 11,5% do IBX-50 em 2004 e 29% em 2005.

Thursday, August 10, 2006

Governança Corporativa: selo ou pontuação?

Publicação:
- Jornal Valor Econômico (17/01/2006)
- Revista Relações com Investidores (Fevereiro 2006)

O lançamento pela BOVESPA, em 2001, do Novo Mercado e dos Níveis 1 e 2 de Governança Corporativa, representou um marco para o mercado de capitais brasileiro, caracterizando-se como uma das mais bem sucedidas iniciativas de auto-regulação já vistas no país. No início do mês, após processo de consulta ao órgão regulador – Comissão de Valores Mobiliários – e às 63 empresas listadas em um dos referidos níveis de governança, a BOVESPA divulgou o enrijecimento das regras para o Nível 2 e Novo Mercado, o que demonstra o aspecto evolutivo da auto-regulação e a disposição da Bolsa no contínuo aperfeiçoamento do mercado. Dentre as principais alterações que entrarão em vigor no dia seis de fevereiro de 2006, tanto para o Nível 2 quanto para o Novo Mercado, destacamos:

§ A exigência de que o Conselho de Administração seja composto por um mínimo de 20% de conselheiros independentes;
§ A extensão do período de mandato dos conselheiros, de 1 ano para 2 anos, mantendo o instituto da reeleição;
§ A inserção da cláusula de arbitragem nos Estatutos Sociais das empresas, o que automaticamente vincula os investidores que se tornarem acionistas da companhia às regras do regulamento de arbitragem do mercado;
§ O detalhamento dos procedimentos para sanções em caso de não conformidade com as regras e, ainda, a divulgação pela BOVESPA da lista de empresas apenadas e os respectivos motivos.

Especificamente para empresas listadas no Nível 2, no caso de alienação de controle, há uma extensão do tag along para as ações preferenciais de 70% para 80% do valor oferecido aos controladores pelas ações ordinárias.

No tocante às duas primeiras regras, comuns ao Novo Mercado e ao Nível 2, verifica-se uma vitória importante do IBGC – Instituto Brasileiro de Governança Corporativa – defensor da bandeira do aprimoramento dos Conselhos de Administração, desde sua fundação, há dez anos.

O aprimoramento gradual das regras, da forma como a BOVESPA vem fazendo, é extremamente positivo para as empresas, os investidores e a própria bolsa. No entanto, o mercado deve demandar alternativas para diferenciar a governança corporativa de empresas que estão em um mesmo nível na BOVESPA, uma vez que esta exige critérios mínimos, assemelhando-se a um selo ou certificação, mas deixando de capturar outros elementos relevantes para a apropriada classificação de uma companhia. Um bom exemplo são as companhias que operam sob concessão, tais como Gol e ALL que, por regras contratuais, devem garantir que no máximo 20% de suas ações sejam adquiridas por investidores estrangeiros. Como o free float (percentual de ações negociadas em bolsa) mínimo do Novo Mercado é de 25%, estas companhias tiveram que se contentar com o Nível 2, apesar de poderem cumprir todos os outros requisitos.

Uma boa alternativa seria estabelecer um sistema onde se analisam todos os aspectos da governança corporativa de uma companhia, atribuindo uma pontuação final que variasse de 0 a 100, por exemplo. Com este instrumento, o mercado tem mais condições de diferenciar papéis que estão no mesmo nível da BOVESPA, e ainda capturar exceções às regras, como é o caso das companhias de concessão. Poderia incluir, ainda, aspectos do quarto princípio fundamental do Código das Melhores Práticas em Governança Corporativa do IBGC - a Responsabilidade Corporativa - que está relacionada principalmente ao desempenho sócio-ambiental das companhias, que já são, inclusive, levados em consideração para a listagem de empresas no Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE), lançado pela BOVESPA em dezembro último. Sistemas semelhantes, baseados no princípio de pontuação e não-excludentes, já são oferecidos nos EUA e Europa por firmas de pesquisa independentes e agências de rating. No Brasil, esta oferta ainda é incipiente, mas deve crescer com o aumento e diversificação das empresas listadas e com o amadurecimento da auto-regulação.

Na seara mais específica da indústria do rating, o grande desafio é a apropriada inserção de critérios menos tangíveis e não-diretamente financeiros, tais como governança corporativa, ética e desempenho sócio-ambiental, nas classificações de risco de crédito de companhias ou emissões. Estas questões, apesar de serem relevantes já há algum tempo, só passaram a receber a devida atenção após fiascos financeiros como os da Enron, Worldcom, e mais recentemente Banco Santos. Com investidores mais exigentes em relação à qualidade das informações, o ano de 2006 com certeza promete!