Finanças Sustentáveis, por Gustavo Pimentel

Este blog contém reflexões de um observador e ativista das Finanças Sustentáveis, além de organizar e arquivar todos os artigos/notícias de minha autoria ou que citem meu nome, publicados em jornais, revistas e websites sobre o tema.

Thursday, August 10, 2006

Governança Corporativa: selo ou pontuação?

Publicação:
- Jornal Valor Econômico (17/01/2006)
- Revista Relações com Investidores (Fevereiro 2006)

O lançamento pela BOVESPA, em 2001, do Novo Mercado e dos Níveis 1 e 2 de Governança Corporativa, representou um marco para o mercado de capitais brasileiro, caracterizando-se como uma das mais bem sucedidas iniciativas de auto-regulação já vistas no país. No início do mês, após processo de consulta ao órgão regulador – Comissão de Valores Mobiliários – e às 63 empresas listadas em um dos referidos níveis de governança, a BOVESPA divulgou o enrijecimento das regras para o Nível 2 e Novo Mercado, o que demonstra o aspecto evolutivo da auto-regulação e a disposição da Bolsa no contínuo aperfeiçoamento do mercado. Dentre as principais alterações que entrarão em vigor no dia seis de fevereiro de 2006, tanto para o Nível 2 quanto para o Novo Mercado, destacamos:

§ A exigência de que o Conselho de Administração seja composto por um mínimo de 20% de conselheiros independentes;
§ A extensão do período de mandato dos conselheiros, de 1 ano para 2 anos, mantendo o instituto da reeleição;
§ A inserção da cláusula de arbitragem nos Estatutos Sociais das empresas, o que automaticamente vincula os investidores que se tornarem acionistas da companhia às regras do regulamento de arbitragem do mercado;
§ O detalhamento dos procedimentos para sanções em caso de não conformidade com as regras e, ainda, a divulgação pela BOVESPA da lista de empresas apenadas e os respectivos motivos.

Especificamente para empresas listadas no Nível 2, no caso de alienação de controle, há uma extensão do tag along para as ações preferenciais de 70% para 80% do valor oferecido aos controladores pelas ações ordinárias.

No tocante às duas primeiras regras, comuns ao Novo Mercado e ao Nível 2, verifica-se uma vitória importante do IBGC – Instituto Brasileiro de Governança Corporativa – defensor da bandeira do aprimoramento dos Conselhos de Administração, desde sua fundação, há dez anos.

O aprimoramento gradual das regras, da forma como a BOVESPA vem fazendo, é extremamente positivo para as empresas, os investidores e a própria bolsa. No entanto, o mercado deve demandar alternativas para diferenciar a governança corporativa de empresas que estão em um mesmo nível na BOVESPA, uma vez que esta exige critérios mínimos, assemelhando-se a um selo ou certificação, mas deixando de capturar outros elementos relevantes para a apropriada classificação de uma companhia. Um bom exemplo são as companhias que operam sob concessão, tais como Gol e ALL que, por regras contratuais, devem garantir que no máximo 20% de suas ações sejam adquiridas por investidores estrangeiros. Como o free float (percentual de ações negociadas em bolsa) mínimo do Novo Mercado é de 25%, estas companhias tiveram que se contentar com o Nível 2, apesar de poderem cumprir todos os outros requisitos.

Uma boa alternativa seria estabelecer um sistema onde se analisam todos os aspectos da governança corporativa de uma companhia, atribuindo uma pontuação final que variasse de 0 a 100, por exemplo. Com este instrumento, o mercado tem mais condições de diferenciar papéis que estão no mesmo nível da BOVESPA, e ainda capturar exceções às regras, como é o caso das companhias de concessão. Poderia incluir, ainda, aspectos do quarto princípio fundamental do Código das Melhores Práticas em Governança Corporativa do IBGC - a Responsabilidade Corporativa - que está relacionada principalmente ao desempenho sócio-ambiental das companhias, que já são, inclusive, levados em consideração para a listagem de empresas no Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE), lançado pela BOVESPA em dezembro último. Sistemas semelhantes, baseados no princípio de pontuação e não-excludentes, já são oferecidos nos EUA e Europa por firmas de pesquisa independentes e agências de rating. No Brasil, esta oferta ainda é incipiente, mas deve crescer com o aumento e diversificação das empresas listadas e com o amadurecimento da auto-regulação.

Na seara mais específica da indústria do rating, o grande desafio é a apropriada inserção de critérios menos tangíveis e não-diretamente financeiros, tais como governança corporativa, ética e desempenho sócio-ambiental, nas classificações de risco de crédito de companhias ou emissões. Estas questões, apesar de serem relevantes já há algum tempo, só passaram a receber a devida atenção após fiascos financeiros como os da Enron, Worldcom, e mais recentemente Banco Santos. Com investidores mais exigentes em relação à qualidade das informações, o ano de 2006 com certeza promete!

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