Finanças Sustentáveis, por Gustavo Pimentel

Este blog contém reflexões de um observador e ativista das Finanças Sustentáveis, além de organizar e arquivar todos os artigos/notícias de minha autoria ou que citem meu nome, publicados em jornais, revistas e websites sobre o tema.

Friday, September 15, 2006

Origem do Investimento Socialmente Responsável

Publicação:
Portal www.acionista.com.br (15/09/2006)
O Investimento Socialmente Responsável (ISR) é uma forma de investir onde os investidores consideram os aspectos sociais, ambientais, éticos e morais na alocação de suas carteiras. O ISR vem se fortalecendo nos EUA e Europa, principalmente a partir da década de 1980, mas ainda tem penetração incipiente em mercados emergentes.
Existe uma gama de termos para se referir ao conceito de ISR, que depende fundamentalmente do país de origem do autor ou investidor. Nos EUA, os termos mais comuns são Investimento Socialmente Responsável (Socially Responsible Investing - SRI), Investimento Responsável (Responsible Investing) e Investimento Social (Social Investing). Enquanto isso, no Reino Unido e Austrália, é comum o termo Investimento Ético (Ethical Investing). Países com forte tradição ambientalista, tais como Holanda e Alemanha, comumente utilizam Investimento Verde (Green Investing), e na Europa, em geral, o termo preferido é Investimento Sustentável (Sustainable Investing). Já na Ásia, a principal instituição que cuida do tema – ASrIA – cunhou o conceito de Investimento Sustentável e Responsável (Sustainable and Responsible Investing – SRI), que acabou ficando com a mesma sigla da nomenclatura americana. No Brasil, até agora, o termo mais comum é a tradução do americano, ou seja, Investimento Socialmente Responsável (ISR).
Apesar da multiplicidade de termos, a literatura sugere um alinhamento razoável na definição do conceito. Para o americano Social Investment Forum, o ‘ISR é o processo de investimento que considera as consequências sócio-ambientais dos investimentos, tanto positivas quanto negativas, em um contexto de rigorosa análise financeira’. Já o European Social Investment Forum define que o ‘ISR tradicionalmente combina os objetivos financeiros dos investidores com suas preocupações à respeito de questões éticas e sócio-ambientais’. Similarmente, o ASrIA comenta que ‘os investidores devem analisar uma gama de fatores sociais, ambientais e de governança que inevitavelmente definirão retornos no longo prazo, já que os mercados respondem às mudanças na necessidade de recursos e de prioridades públicas.’
A origem do ISR está fortemente ligada à religião. As igrejas, como investidores institucionais, e seus seguidores, como investidores individuais, utilizavam seus princípios morais para retirar de seu universo de investimentos ações de empresas que atuam em setores que iam de encontro a estes princípios. Este fenômeno acontecia principalmente nos EUA, mas também no Reino Unido. As décadas de 1960 e 1970 foram fundamentais para que o ISR deixasse de ser uma modalidade de investimento apenas da comunidade religiosa.
Os movimentos em prol dos direitos civis e das mulheres, da proteção do meio ambiente e o sentimento geral anti-guerra iniciados nestas décadas foram essenciais para tal expansão e consolidação do movimento da forma como é entendido hoje. A oposição ao apartheid na África do Sul foi o evento de maior repercussão a nível internacional para o ISR, quando nas décadas de 1970 e 1980 houve forte desinvestimento em títulos públicos e ações de empresas com negócios naquele país.
Esse movimento foi ajudado pela sofisticação dos mercados financeiros e principalmente pela popularização dos fundos de investimento. Em 1950, surge o primeiro fundo de investimento socialmente responsável nos EUA, cujo nome era Pioneer Fund. (Fundo Pioneiro) O fundo excluía as ações de companhias dos setores de bebidas alcoólicas, tabaco e jogos de azar, conhecidas como ‘indústrias do vício’ (industries of vice) ou ‘ações do pecado’ (sin stocks), e tinha como objetivo se adaptar às demandas dos investidores cristãos. O fundo existe até hoje e continua excluindo os mesmos setores. A partir da década de 1970, mais fundos como esse começaram a ser oferecidos, mas além de excluírem as ‘ações do pecado’ também levavam em consideração questões ambientais, excluindo, por exemplo, o setor de energia nuclear, ou ainda relações trabalhistas e direitos humanos.
Hoje, o ISR representa cerca de 10% de todo o mercado de investimentos nos EUA, cresce a um ritmo acelerado na Europa, mas ainda pode ser considerado uma modalidade de investimentos ‘exótica’, ou seja, ainda não faz parte do mainstream financeiro. No Brasil, o movimento do ISR passa por um processo de amadurecimento, onde o próximo evento é a primeira revisão do Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE) da Bovespa. Este será o tema do próximo artigo.

Wednesday, September 06, 2006

Rating - boa governança melhora classificação das empresas

Revista Bovespa, edição Julho/Setembro 2006
http://www.bovespa.com.br/InstSites/RevistaBovespa/99/Rating.shtml
Por Jorge Wahl, baseado em entrevista com Gustavo Pimentel

Uma iniciativa no campo da responsabilidade social corporativa propiciou à brasileira Votorantim Celulose e Papel (VCP) um importante reconhecimento: foi premiada, em junho, em Londres, pelo jornal Financial Times, por causa de uma inovadora parceria que fez, no Rio Grande do Sul, com 5 mil famílias de assentados e que envolveu até mesmo negociações com a direção do Movimento dos Sem Terra (MST). O projeto, segundo Waldir Roque, diretor da VCP, utiliza tecnologia que permite combinar o plantio de alimentos ao da árvore para fins industriais e, ainda mais importante, assegura uma renda mensal aos moradores participantes. Na região, nas proximidades de Pelotas, a indústria está instalando uma unidade que será capaz de produzir 1 milhão de toneladas de celulose a partir de 2011.

Este é um exemplo de que governança e responsabilidade social já não são mais mera declaração de intenção. Começam a produzir resultados concretos para as empresas – estando a Bovespa na linha de frente, com seus níveis de governança e o Novo Mercado – e entram até mesmo na agenda das severas agências de classificação de risco. “Quem destaca uma iniciativa dessas sabe que agir responsavelmente tem impacto sobre os custos, a sustentabilidade do negócio da organização no longo prazo e também no rating que esta recebe”, diz Regina Nunes, presidente no Brasil da Standard & Poor's, uma das maiores agências de rating do mundo. “Isso vai se refletir em sua maior ou menor dificuldade em captar recursos entre os investidores no mercado de capitais”.

A Standard & Poor's concedeu à VCP, uma companhia aberta, a nota de crédito “BBB-”. A classificação, segundo a agência, confirma o acerto da estratégia da empresa de diversificar seus produtos e mercados, mantendo custos competitivos e compromisso com a sustentabilidade do negócio. Agências de rating existem há mais de 100 anos para medir os riscos. “E essa medida leva cada vez mais em conta a responsabilidade corporativa revelada pelas organizações, algo que combina governança e postura social e ambiental”, resume Gustavo Pimentel, analista de Governança Corporativa e Sustentabilidade da SR Rating. Há cada vez mais gente convencida de que essas questões têm uma forte ligação com os lucros, não no curto prazo, mas com sua preservação no longo prazo.

Enron ensina

O rating é fundamentalmente uma opinião sobre a probabilidade de não-cumprimento de uma obrigação. Uma nota, por exemplo, na faixa do BB em escala global (na escala brasileira seria um brA-) traduz uma probabilidade de default inferior a 15%. Governança e responsabilidade socioambiental são ingredientes que podem reduzir o risco ou, na falta delas, introduzir um risco adicional. Na Moody's, outra das grandes agências de rating do mundo, uma das providências adotadas após os anos 2001-2002, quando eclodiram espetaculares fraudes em balanços e quebras de corporações nos Estados Unidos e na Europa, foi reforçar o rating em grande parte dando mais peso ao acompanhamento da governança e responsabilidade corporativa.
Gustavo Pimentel, da SRRiscos ambientais crescentes
Os nomes variam, mas no fundo todos querem dizer mais ou menos a mesma coisa. Para o Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), o termo “governança” resume tudo, uma vez que seus pilares são a transparência, accountability, eqüidade e responsabilidade social e ambiental. Já o Instituto Ethos prefere “responsabilidade social e empresarial”, termo que a seu ver traduz uma nova forma de gerir as empresas que respeitam todos os seus públicos, sejam acionistas, fornecedores, empregados ou comunidades. Por sua vez, o Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável prefere falar em “sustentabilidade corporativa” e suas três esferas – desenvolvimento econômico, social e ambiental. “No fundo, ninguém está dizendo que as empresas não devem ter lucro, mas sim que elas só se manterão no longo prazo se cuidarem bem de sua governança e sustentabilidade”, observa Pimentel.

Refletindo essa nova percepção, em setembro será divulgado o primeiro relatório brasileiro do Carbon Disclosure Project (CDP), que vai mostrar ao mundo como 50 das maiores corporações instaladas no País lidam com a necessidade cada vez mais urgente de redução da emissão de gases que contribuem para aquecer o planeta. A iniciativa tem como apoiadores 14 fundos de pensão brasileiros e a sua importância é óbvia: segundo um estudo do grupo segurador Swiss RE, se nada for feito, dentro de uma década eventos climáticos extremos decorrentes da elevação das temperaturas da Terra poderão ter um impacto anual ao redor de US$ 100 bilhões sobre a economia mundial.

Impacto ambiental

Apesar de o debate já estar aberto desde o fim da década de 90, é natural, por sua própria atividade, que as agências tenham sido despertadas pelo escândalo da Enron, em 2001, e os que se seguiram a ele. O foco recaiu inicialmente sobre a governança, isto é, o grau de transparência das organizações. Impulsionado pelo Pacto Global lançado pela ONU, em 2000, passou gradualmente a incluir a responsabilidade social e ambiental. Indústrias de base incorrem, geralmente, em riscos ambientais mais efetivos, uma vez que o fato de uma planta industrial não se encontrar em conformidade com leis e normas pode atrasar a sua entrada em operação ou determinar uma paralisação das atividades mais tarde.
Já os riscos sociais aos quais as empresas estão expostas crescem à medida que as entidades da sociedade civil se organizam e cobram. “As construções de hidrelétricas”, lembra Pimentel, da SR Rating, “são um bom exemplo disso, uma vez que, em geral. envolvem deslocamentos de populações”.

A crescente tomada de consciência das empresas reforçou os quadros do Instituto Ethos, que, de 22 associados em 1998, quando nasceu, evoluiu para os atuais 1.180 (40% são indústrias). Mas as empresas ainda se debatem entre dois conceitos de responsabilidade, um restrito, outro amplo, assinala Silvio Guerra, diretor do Instituto Brasileiro de Relações com os Investidores (Ibri). O modelo de perfil anglo-saxão, grosso modo, cobra menos das empresas – basta que criem valor para os acionistas, tenham lucros, mantenham a oferta de empregos e paguem os impostos em dia. Já a modelagem européia dá também grande peso à proteção dos recursos naturais e ao ataque às desigualdades sociais.

As agências interpretam a governança e a responsabilidade socioambiental como riscos intangíveis. Para a SR Rating, representam risco maior no caso de operações mais longas ou de risco corporativo de crédito de longo prazo. Apesar de oferecer um produto separado para governança, explica Pimentel, a SR Rating insere os resultados dessa medição no rating de crédito quando entende que estes são também fonte de risco. Mais recentemente, a agência tem feito o mesmo com os riscos socioambientais. Eles já podem, portanto, ser incorporados, se necessário, à nota geral dada às empresas. Mas com ressalvas: “A indústria do rating tem mais de 100 anos e seus métodos tiveram tempo para evoluir. Já a governança e a responsabilidade social e ambiental são fatores de risco relativamente novos, menos tangíveis, e devem ser abordados com muito cuidado”.

Buscando problemas

As dificuldades, admite Pimentel, são maiores no Brasil, a começar pela transparência – este é um processo em implantação e ainda não é acolhido homogeneamente pelas empresas. Segundo ele, nota-se também certa indisponibilidade de fontes de informação. “O Instituto Ethos recentemente publicou um estudo sobre a cobertura da imprensa quanto à responsabilidade social e ambiental, concluindo que esta ainda é muito factual, pouco reflexiva, e geralmente destaca apenas as boas práticas das organizações. Ora, como classificadores de risco nós temos que procurar também por problemas, contradições, má conduta, e isso quase nunca sai na grande mídia.”

Mas não há dúvida de que o tema veio para ficar. “Para ir no rating além de um duplo B, uma organização precisa investir em governança e responsabilidade corporativa”, diz Regina Nunes, da S&P. “Isso é provavelmente ainda mais verdade em países com um quadro social como o brasileiro”.