Finanças Sustentáveis, por Gustavo Pimentel

Este blog contém reflexões de um observador e ativista das Finanças Sustentáveis, além de organizar e arquivar todos os artigos/notícias de minha autoria ou que citem meu nome, publicados em jornais, revistas e websites sobre o tema.

Thursday, July 26, 2007

Amazônia-Etanol-Escravidão é combinação explosiva para bancos

Publicação: http://www.amazonia.org.br/ (24/07/2007)
Empresas que se dizem sustentáveis e responsáveis devem tomar muito cuidado para que suas práticas não se distanciem do discurso. A sociedade e o mercado tendem a punir mais severamente quem tem alguma reputação a zelar do que os aventureiros. O mesmo ocorre para os bancos: se querem proteger seus ativos e reputação devem se abster de financiar negócios controversos e socialmente repreendidos.

O Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo, por exemplo, sugere que seus signatários não façam negócios com empresas autuadas pelo Ministério do Trabalho e que constem na chamada “lista suja”, hoje com mais de 300 empresas e fazendas. Já há mais de 100 signatários, entre empresas de porte, bancos e associações, tais como a Febraban – Federação Brasileira de Bancos, que recomenda a seus associados não financiar empresas da “lista suja”.

A Amazônia vem ganhando importância nas políticas ambientais de empresas e bancos, dada sua posição como maior reserva de biodiversidade do planeta e sua função primordial na regulação do clima. O banco ABN AMRO Real, por exemplo, tem fortes políticas de financiamento no setor madeireiro e não financia atividades em áreas recentemente desmatadas da Amazônia Legal, geralmente utilizadas para o plantio de soja e pecuária.

O também holandês Rabobank está implementando uma forte política no setor de agronegócio, sendo uma das maiores preocupações o segmento sucroalcoleiro. Desde que o etanol passou a ser considerado a mais promissora alternativa energética renovável e de baixo impacto no clima planetário, projetos de novas usinas e plantações são noticiados quase que diariamente, a despeito do risco de encarecimento dos alimentos, desmatamento de florestas nativas e historicamente péssimas condições de trabalho. A Mesa Redonda sobre Biocombustíveis Sustentáveis tenta endereçar estas questões, definindo padrões de produção, distribuição e comercialização.

Imagine agora juntar os 3 temas controversos em um só. Em reportagem neste último domingo (22/07/2007), a Folha de São Paulo destaca os dilemas vivenciados pelos bancos, em particular o HSBC, no caso do financiamento concedido à usina de etanol Pagrisa, localizada no município de Ulianópolis (PA), em plena Amazônia Legal. A empresa foi autuada pelo Ministério do Trabalho por supostamente manter 1.108 trabalhadores em regime análogo à escravidão. O caso já vinha sendo noticiado desde o início de julho, enquanto o presidente Lula afirmava em Bruxelas que não havia usinas de etanol na Amazônia, pois a cana não se desenvolvia bem na região, e muito menos trabalho escravo.

A reportagem da Folha coloca uma calça curta no HSBC, que repassou recursos do BNDES da linha Finame à Pagrisa, destinada à compra de máquinas e equipamentos. Logo após a divulgação do caso, Petrobras, Esso e Texaco anunciaram a interrupção de suas compras do combustível de forma preventiva até que o caso se esclareça. Sem esta receita, a Pagrisa terá dificuldades no repagamento da dívida, o que além dos danos de reputação provocaria perdas financeiras para o HSBC.

Mas o gigante britânico não é o único banco fazendo negócios com a Pagrisa. Segundo a própria empresa, há operações também com Banco da Amazônia, Bradesco e Banco do Brasil, com quem mantém conta-corrente. O Bradesco, inclusive, é o responsável pelo processamento da folha de pagamento da empresa, que antes do caso estourar tinha quase 1700 funcionários, um serviço que pode ser bem rentável para o banco. Os 3 bancos brasileiros, além do HSBC, afirmaram por intermédio de suas assessorias de imprensa que não poderiam comentar o caso em função da legislação sobre sigilo bancário. Negaram-se inclusive a confirmar se possuíam ou não a conta-corrente da empresa.

Em geral, os bancos estão ainda em estágio muito inicial na avaliação de riscos socioambientais no segmento de pequenas e médias empresas. Este é geralmente o segmento mais perigoso, pois há muita informalidade e pouco escrutínio da sociedade civil. Com o acirramento da concorrência, inclusive com a entrada de bancos médios, risco e responsabilidade socioambiental tem ficado em segundo plano face à ordem de aumentar as carteiras.

O que se nota em casos como o da Pagrisa é o distanciamento entre discurso e prática. Os bancos aprenderam que comunicar sua responsabilidade socioambiental conta pontos no mercado, mas quando algo dá errado, recorrem à desculpa da confidencialidade bancária, não informando sequer se operam ou não com determinado cliente, ao contrário da grande publicidade que fazem quando fecham um negócio de grande porte. Mais do que um passivo legal, estão criando um passivo moral quando se intitulam “banco da sustentabilidade” ou coisas do gênero.

A sociedade civil brasileira ainda não percebeu o potencial do setor financeiro na responsabilidade socioambiental das empresas que são financiadas. E o setor financeiro, apesar do discurso, ainda pouco utiliza o desempenho socioambiental como estratégia de mitigação de riscos e geração de oportunidades de negócio.

Um exemplo é a questão das mudanças climáticas. Os bancos que se dizem sustentáveis deveriam financiar menos a produção e distribuição de combustíveis fósseis, setores eletrointensivos e aqueles que direta ou indiretamente contribuem para o desmatamento, tais como soja e pecuária. Estes recursos deveriam ser direcionados aos setores de energias alternativas, tecnologias limpas, agricultura agroecológica, etc, barateando seu custo de capital. Mas o que ocorre é o contrário, os setores intensivos em carbono dispõem de spreads menores.

Apesar do grande alvoroço, os Princípios do Equador, por serem restritos à project finance, são pouco relevantes no Brasil, pois tal modalidade representa uma parcela pequena do financiamento privado às empresas brasileiras.

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