Finanças Sustentáveis, por Gustavo Pimentel

Este blog contém reflexões de um observador e ativista das Finanças Sustentáveis, além de organizar e arquivar todos os artigos/notícias de minha autoria ou que citem meu nome, publicados em jornais, revistas e websites sobre o tema.

Friday, August 11, 2006

Como o mercado pode precificar a sustentabilidade?

Publicação:
- Portal
http://www.acionista.com.br/ (07/07/2006)
- Site
http://www.srjournal.com.br/ (08/07/2006)

A maioria dos investidores e analistas do mercado de capitais podem ser divididos em duas categorias: os observadores de mercado (market timers) e os selecionadores de títulos (stock pickers). Os primeiros utilizam um método chamado Análise Técnica, enquanto os últimos fazem uso da Análise Fundamentalista. Apesar de fazerem parte da mesma escola de finanças, pois acreditam que é possível ter rendimentos acima da média do mercado, as duas categorias têm enormes divergências, normalmente desprezando o trabalho um dos outros. Entretanto, com o crescimento da gestão profissional de recursos, onde investidores profissionais gerem os portifólios de terceiros, é cada vez mais comum a utilização das duas técnicas concomitantemente.

Os analistas técnicos utilizam gráficos com as séries históricas de preços para tentar prever a direção do mercado e, por isso, são chamados também Analistas Gráficos. São três as premissas básicas que sustentam sua teoria:

a) o preço corrente do ativo já reflete todos os fatos que podem influenciá-lo, logo o comportamento deste preço ao longo do tempo é a única variável que importa;
b) é possível identificar tendências no comportamento dos preços em seus primeiros estágios, e assim lucrar enquanto a tendência de fato se consuma;
c) se os padrões dos gráficos funcionaram bem no passado, eles devem se repetir no futuro.

Já os analistas fundamentalistas acreditam que existam fatos que influenciam os preços que ainda não estejam refletidos nos preços correntes. Por este motivo, eles investigam os dados contábeis, operacionais e planos de investimento das empresas para projetar o valor presente dos fluxos de caixa futuro das mesmas. Para o guru dos investimentos Damodaran, o ‘valor real de uma empresa pode ser relacionado às suas características financeiras – suas perspectivas de crescimento, perfil de risco e fluxo de caixa’ e ‘qualquer desvio deste valor verdadeiro é sinal de que as ações estão sub ou supervalorizadas’. São também três as premissas básicas desta teoria:

a) o relacionamento entre fatores financeiros da empresa e seu valor pode ser medido;
b) este relacionamento é estável ao longo do tempo;
c) qualquer desvio no relacionamento leva um tempo razoável para ser corrigido.

A análise fundamentalista utiliza um ferramental analítico para avaliar os fundamentos das empresas, ou seja, seu desempenho operacional, financeiro, grau de endividamento, estrutura de governança, posicionamento estratégico, gestão de riscos, perspectivas para o setor, dentre outros. Os indicadores supracitados, comparados ao preço de mercado do papel e colocados dentro de possíveis cenários macroeconômicos determinam se a ação é um bom investimento ou não.

E os aspectos de sustentabilidade, que englobam o desempenho sócio-ambiental e governança corporativa da empresa, como ficam?

É relativamente fácil verificar que a sustentabilidade não é compatível com a análise técnica, já que esta não considera nada além da série de preços de cada ativo. Por outro lado, é totalmente compatível com a análise fundamentalista, visto que esta leva em consideração os fundamentos da empresa, a governança e a gestão de riscos, inclusive sócio-ambientais.

Mas como medir estes intangíveis?

Um recente estudo canadense, patrocinado pela National Roundtable on the Environment and the Economy, intitulado The sdEffect™: Translating Sustainable Development into Financial Valuation Measures – A Pilot Analytical Framework faz uma primeira tentativa. O estudo propõe que aspectos de sustentabilidade, como por exemplo a redução do consumo de energia e emissão de gases de efeito estufa, bom relacionamento com a comunidade ou promoção da diversidade no ambiente de trabalho, podem ter seus efeitos traduzidos em valores financeiros que são incorporados ao preço das ações. O estudo utiliza dados empíricos de empresas canadenses do setor de mineração, e calcula o valor de cada aspecto de sustentabilidade em contextos específicos utilizando ferramentas clássicas da análise fundamentalista, tais como o fluxo de caixa descontado (DCF – Discounted Cash Flow), análise de múltiplos e Valor Econômico Adicionado (EVA™ - Economic Value Added), dentre outros. As conclusões preliminares sobre a eficácia do método são promissoras, e o estudo sugere sua aplicação para mais setores e empresas de forma a gerar uma maior massa de dados que possam ser testados empiricamente.

O estudo argumenta que o mercado é inábil com a linguagem sócio-ambiental da sustentabilidade, mas perito em assimilar informação quando expressa em termos de crescimento de receita, redução de custos, exigência reduzidas de investimento ou diminuição de risco. Dois exemplos retirados do estudo:

Placer Dome e seu bom relacionamento com a comunidade
A Placer Dome pretende investir em um novo projeto de extração de minério chamado Cerro Cesale. Estima-se que o seu bom relacionamento com a comunidade local possa apressar o início da implantação do projeto em 1 ano, o que aumenta o valor presente líquido do projeto e consequentemente o preço alvo da ação em 5,5%.

Falconbridge e seu programa de eco-eficiência
Os programas de eco-eficiência da Falconbridge tem o potencial estimado de reduzir seu consumo de energia e emissão de gases do efeito estufa. Isto reduz seus custos e aumenta o preço alvo da ação em proporções similares ao uma evetual elevação dos preços internacionais do cobre em 5 centavos de dólar.

Como pôde ser visto, o que o mercado precisa é aprender a traduzir as questões sócio-ambientais para o valuation, o que demanda criatividade e coragem por parte dos investidores e analistas.

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