Finanças Sustentáveis, por Gustavo Pimentel

Este blog contém reflexões de um observador e ativista das Finanças Sustentáveis, além de organizar e arquivar todos os artigos/notícias de minha autoria ou que citem meu nome, publicados em jornais, revistas e websites sobre o tema.

Friday, August 11, 2006

Crises de Sustentabilidade e Valor das Ações

Casos Shell e ABN AMRO Bank

Publicação:
- Portal www.acionista.com.br (29/05/2006)
- Site www.srjournal.com.br (30/05/2006)
No último artigo foi abordado o tema da precificação da sustentabilidade. Embora tenhamos fortes indícios de que a sustentabilidade afete a performance e valor de mercado das companhias, como medir este impacto ainda continua como um questão a ser desvendada. Neste artigo, chamamos a atenção para a questão dos riscos sócio-ambientais que as empresas incorrem em seus projetos de expansão, no impacto que estes riscos podem ter na reputação corporativa e, consequentemente, na execução satisfatória destes projetos. Nossos personagens são reais: a gigante anglo-holandesa do petróleo Shell e o ABN AMRO, maior banco holandês e uma das 20 maiores instituições financeiras do mundo. A história é atualíssima: o controverso envolvimento dos personagens no projeto Sakhalin II. Para começar, faz-se necessário entender o embróglio.

A ilha de Sakhalin, situada no mar de Okhotsk, no extremo leste da Rússia, vem chamando atenção no noticiário internacional por conta de um ambicioso projeto de exploração e produção de petróleo e gás natural desenvolvido pela Shell. O projeto, orçado em US$ 20 bilhões e batizado de “Sakhalin II” , visa a construção de três novas plataformas de produção de petróleo e gás, além de um oleoduto e de um gasoduto de aproximadamente 800 km cada. Os hidrocarbonetos extraídos do local seriam exportados, via dutos, para o abastecimento de Japão, Coréia, China e EUA. Para atingir a costa oeste norte-americana, o gás seria transportado em sua forma líquida e regaseificado em plataformas a serem construídas no litoral mexicano.

A polêmica iniciativa vem sendo acusada por ambientalistas de pôr em alto risco de extinção as baleais cinzentas, espécie que hoje conta somente com cerca de 100 animais em todo o planeta. Especialistas em meio-ambiente de diversas ONGs internacionais, tais como Greenpeace, Friends of the Earth, Banktrack, Dirty Money, Rainforest Action Network, Pacific Environment, Sakhalin Environment Watch, entre outras, alertam que o barulho causado pelas obras, assim como o entulho por elas produzido, seriam letais às baleias cinzentas que migram anualmente para a região em busca de comida. Além disso, os dutos seriam construídos em áreas consideradas ambientalmente sensíveis, por cruzarem o habitat natural de centenas de cardumes de salmão, prejudicando as populações locais que vivem da pesca, além de cerca de 24 áreas com intensa atividade sísmica, o que exponenciaria os riscos de vazamento.

A iniciativa da Shell coloca em risco também a reputação de instituições tais como o gigante bancário holandês ABN AMRO, até então visto como um líder no desenvolvimento e implementação de uma série de diretrizes sócio-ambientais conhecidas como Princípios do Equador. A cartilha de sugestões foi desenvolvida pela International Finance Corporation (IFC), ligada ao Banco Mundial, para serem aplicadas pelas instituições financeiras que financiem operações de project finance em valores acima de US$ 50 milhões. O ABN AMRO foi alvo, recentemente, de anúncios de página inteira em jornais influentes como o Washington Post e o Finacial Times, pressionando para que a instituição assuma seu papel de líder nos diversos índices de sustentabilidade global e retire sua oferta de financiamento do projeto Sakhalin II. Segundo Ilyse Hogue, diretor da Rainforest Action Network's Global Finance Campaign, os Princípios do Equador foram desenvolvidos justamente para impedir a viabilização de projetos tais como o da Shell. Já David Gordon, diretor-executivo da Pacific Environment, foi ainda mais incisivo ao afirmar que “financiar a realização do projeto Sakhalin II é o mesmo que financiar a extinção das baleias e destruição das comunidades de salmão”.

Diversas entidades financeiras signatárias dos Princípios do Equador não concordaram em financiar partes do projeto por temer ter seus nomes ligados à idéia de destruição ambiental, o que mostra que a sustentabilidade vem sendo incorporada de forma cada vez mais incisiva no processo de análise de riscos. A Shell, em uma tentativa de reduzir o impacto negativo em torno do projeto, chegou a anunciar uma modificação no traçado original dos dutos, transferindo-os para quilômetros de distância do habitat das baleias ameaçadas. Contudo, a medida é tida como ineficaz, já que não prevê a transferência do local de instalação das plataformas. A WWF, outra ONG ambiental, fez um estudo que insinua que a Shell seria incapaz de lidar com um vazamento que eventualmente possa ocorrer durante o longo e severo inverno siberiano.

A surpreendente insistência da Shell na manutenção do projeto Sakhalin II está associada ao fato de a empresa já ter gasto muitos recursos na implementação inicial das obras, por ser a principal acionista da Sakhalin Energy Investment Company, uma subsidiária com sede nas Bahamas. O fracasso da iniciativa significaria um dano bastante significativo aos cofres da companhia. Se utilizarmos a técnica do Fluxo de Caixa Descontado, é fácil perceber que cada mês de atraso no projeto diminui a percepção do valor presente da companhia. Ademais, investidores socialmente responsáveis, aqueles que levam em consideração aspectos sócio-ambientais nas suas decisões de portfólio, podem decidir por desfazer suas posições na empresa, jogando para baixo o preço das ações. Estes investidores – pessoas físicas, fundos de pensão, fundações e fundos mútuos, já somam mais de EUR 300 bilhões em ativos na Europa e mais de U$ 2 trilhões nos EUA, portanto seu impacto não é nada desprezível. Coincidência ou não, o papel da Shell vem perdendo para seus principais índices de benchmark no último mês, quando a crise atingiu seu ápice.

Situação semelhante vive o ABN AMRO. Apesar de seu impacto no projeto ser indireto, um dos principais ativos de um banco é sua reputação, e o ABN AMRO já está com sua imagem arranhada, a despeito de ser um líder em sustentabilidade no setor financeiro. Recuperar esta credibilidade levará tempo, tanto para o banco quanto para a Shell. E mais: a atenção da sociedade civil, investidores e ambientalistas estará cada vez mais voltada para as duas organizações no futuro, o que pode fazer com que todo projeto da Shell seja contestado, e consequentemente atrasado, enquanto o ABN AMRO pode ser obrigado a declinar de negócios rentáveis para não entrar em mais controvérsias.

No próximo artigo, trataremos mais a fundo das ferramentas para medir o impacto da sustentabilidade na performance e valor de mercado das empresas e mostraremos que as mesmas podem ser muito bem adaptadas para o Brasil.

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